segunda-feira, 17 de março de 2014

MARCELO: UM CASTELO DE CARTAS.




Marcelo suplica por confiança. Suplica pelo amor e por qualquer outra coisa que sua “amada” possa oferecer. Suplica a presença, o beijo, o corpo. Suplica a alma. E sua alma, que fique em suplício.

A trajetória de Marcelo Zagonel no BBB14 é o retrato fiel de uma seleção equivocada de participantes que pleiteiam vagas no programa. É o retrato fiel da incompetência da direção do Big Brother em expor sem dó nem piedade o que há de pior em cada um, tanto naquele que é assistido, quanto no que assiste. É o retrato fiel do sadismo de muitos mandachuvas da mídia brasileira. A trajetória de Marcelo é o triste negativo das fotos de uma pessoa pretensamente “feliz”. A trajetória de Marcelo, tanto no BBB14, como na vida até então, é isso: TRISTE.

Quando resolvi torcer e defender Marcelo, fui tocado por algo de muito limpo e de muita suavidade. Sua figura desabrochou em mim verdadeiros instintos maternos, de proteção, de sustentação. Isso é apenas sinal de que minha psique sempre me sinalizou de que era algo nesse sentido que Marcelo clamava.  Quando “resolvi” gostar de Marcelo, mesmo que inconscientemente, já sabia sempre das armadilhas que a personalidade dele poderia apresentar. Ele sempre foi uma bomba-relógio e, se não se cuidar, sempre será. Entretanto, gostar não é garantia sempre de defesa. Gostar em um BBB pode passar ao largo de torcer para vencer a competição, e meu caso com Marcelo é esse, pelo menos nas últimas três semanas. Quando gostamos queremos o melhor, queremos o DESENVOLVIMENTO da pessoa, mesmo que isso passe pelo enfrentamento de dificuldades e pela frustração da derrota. E para mim, qualquer tipo de frustração, desde que acompanhada com o devido cuidado e suporte, é mais do que necessário para Marcelo, neste momento.

Sim, eu vejo que Marcelo precisa de ajuda profissional – ele e sua família, pois assim como a formação do sujeito, os sintomas deste se dão em relações, em trocas emocionais no seio familiar. Marcelo precisa de ajuda para aprender a encarar as consequências de seus atos no cerne da realidade que é compartilhada por ele E PELA SUA COMPANHIA. Marcelo precisa de ajuda para entender que o motor de sua autoestima não é alimentado pelas migalhas que suas companhias possam lhe oferecer. Marcelo precisa de ajuda para entender que o OUTRO NÃO É A EXTENSÃO DE SEU EGO, que o OUTRO PODE NEGAR-LHE SER O COMBUSTÍVEL DE SUA “FELICIDADE”. Marcelo precisa de ajuda para NÃO SE REPETIR na conduta de mendigar o afeto alheio, na conduta de responder a frustração com agressividade, na conduta de POSSUIR o outro, não dando-lhe a chance da existência independente. Marcelo precisa de ajuda para aprender a SE AMAR; para aprender a produzir reforçadores que sustentam um comportamento saudável na relação íntima; para aprender que SEU PRÓPRIO POSICIONAMENTO, DIZER, ATITUDE, PENSAMENTO E ESCOLHA podem produzir o combustível da sua autoestima. Marcelo precisa de ajuda para desbravar o misterioso, porém enriquecedor processo de autoconhecimento. Porque Marcelo carece, e muito, de autoconhecimento.

A psicoterapia – assim como a meditação, a religião, os grupos de apoio, etc. – se faz importante porque ilumina outros caminhos, que não o da REPETIÇÃO. Se faz importante porque promove o desembaçamento do olhar, desamarra-nos da posição que ocupamos na linguagem e na falta do objeto perdido de amor, aquele que sonhávamos ter na infância, que supria todas as nossas necessidades e desejos, mas que se transformou em ilusão. A psicoterapia se faz importante porque nos coloca no meio do caminho para o autoconhecimento. E para tanto, qualquer abordagem terapêutica que se proponha PSICOTERAPIA não enxerga apenas o comportamento em si, mas esse comportamento em uma relação, tanto de sujeito – ambiente, quanto de sujeito – história. Autoconhecer-se é integrar a história ao presente, aceitando a ASSUMINDO AS RESPONSABILIDADES de consequências de escolhas feitas no passado. Autoconhecer-se é não negar os nossos demônios interiores, aprender a reconhecê-los e domá-los na medida do possível (e do máximo que possa se aproximar do impossível). Autoconhecer-se é reconhecer as pedras que tropeçamos no caminho, porque ESTAS PEDRAS SE REPETEM. Quando enxergamos a pedra, o atoleiro, o buraco do meio do caminho, podemos DESVIAR. Mas é necessário aquele desembaçamento. E após isso, a coragem de assumir uma nova escolha.

Digo isso para deixar claro que olhar para o passado de Marcelo, tentar correlacionar seu passado de obeso infantil, de criança submetida constantemente a bullying, de criança em relação quase simbiótica com sua mãe, a seus comportamentos atuais NÃO JUSTIFICA NADA, NÃO CONTEMPORIZA NADA, NÃO DESRESPONSABILIZA MARCELO DAS CONSEQUÊNCIAS DE SEUS ATOS AGRESSIVOS E POSSESSIVOS. Mas, ajuda a COMPREENDER os mecanismos de funcionamento psicológico do Marcelo e isso significa AUTOCONHECIMENTO – um passo fundamental para a possibilidade de DESENVOLVIMENTO EMOCIONAL. E, como já falei extensamente por aqui, são apenas apontamentos hipotéticos, apenas exercício de um achismo razoavelmente embasado na ciência psicológica.

Sim, Marcelo foi uma criança obesa. Foi uma criança que sofreu os duros golpes do bullying de seus pares e também adultos. A procura de um "corpo perfeito" simboliza um dos atributos mais importantes da sociedade contemporânea e ter um corpo imperfeito é sinônimo de não ter força de vontade, ausência de restrições, ser-se preguiçoso e não saber autocontrolar-se. A relação entre comportamentos negativos de rejeição ou agressão contra indivíduos obesos tem sido pesquisada há bastante tempo. Por exemplo, Maddox, Back e Liederman (1969), em um artigo em que discutem a relação entre obesidade e problemas sociais, afirmaram que o indivíduo obeso tende a atrair rejeição e efeitos negativos pelo simples fato de ser obeso e que esses indivíduos tendem a ser estigmatizados como responsáveis por sua própria condição, sendo taxados de preguiçosos ou relaxados. Essa culpabilidade atribuída, segundo os autores, aumentaria os efeitos negativos nas relações sociais de tais indivíduos. Resultados de pesquisas feitas nos Estados Unidos, nas décadas de 80 e 90, apontam que crianças obesas quando comparadas às não obesas, eram menos desejáveis como amigas e rejeitadas com uma frequência maior pelos colegas de classe. As crianças obesas, em sua autoavaliação, também relataram maior nível de depressão e baixa autoestima (Strauss, 1984; Olweus, 1993; Smith, 1994; Ross, 1996; Rigby, 1996).  Alguma semelhança com o Marcelo de hoje? Algum nível de depressão pode ser notado no semblante de Marcelo? Algum resquício da rejeição pode ser visto em Marcelo? Claramente, a resposta é SIM.

Existe uma realidade social de discriminação que influencia o funcionamento psicológico do indivíduo obeso, existindo como que uma aversão à gordura, que contribui para o comprometimento da autoestima e autoimagem, quer em crianças, quer em adultos. Em muitos casos a criança obesa tem dificuldade em aceitar-se tal como é, na medida em que tem receio de que os outros a achem ridícula, assim como sente dificuldade em aceitar a sua própria imagem, e rapidamente começa a desconfiar que os seus amigos fazem troça dela, que os professores a lastimam e que os pais lhe dizem mentiras a respeito do seu estado de saúde, contribuindo para que a criança se feche em si mesma, tornando-se uma criança apática, que não se interessa por nada, embora, na maior parte dos casos, as suas capacidades intelectuais sejam tão boas ou até superiores às das outras crianças. A exigência familiar e a falta ou diminuição de disponibilidade da criança obesa em relação às informações do meio ambiente poderem contribuir para a avaliação negativa do comportamento, levando-a a pensar que não se comporta de acordo com o que esperam dela. 



“Duvida da luz dos astros,
De que o sol tenha calor,
Duvida até da verdade,
Mas confia em meu amor.” (William Shakespeare)